Faz quase 6 anos que eu decidi fazer uma tatuagem de Wanderlust na pele. Quando a palavra estava começando a virar modo pelo mundo, me apaixonei por ela e entendi que era aquilo que significava tudo que eu sentia. (O desenho, inclusive, inspirou a marca Dianaviaja que surgiria dois anos depois).
Uma vontade de explorar o mundo, sair de casa livremente e descobrir pessoas, lugares e paisagens. A cada viagem eu voltava planejando a próxima, e praticamente vivia no ritmo “trabalhar, economizar, viajar”.
Naquela época, sonhava em morar em Londres, trabalhava na Infoglobo e não tinha muita ideia de onde o mundo ia me levar. Morar numa cidade como o Rio de Janeiro é desafiador para quem gosta de sair de casa. Há o medo de ser assaltado, o medo de passar pela Linha Vermelha à noite ou o medo dos tiros que vem da rua na guerra que vivemos por causa de tanta desigualdade.
O medo me angustiava cada vez mais, e sem perspectiva de melhora – nem no jornalismo, nem no Rio – decidi que era hora de mudar. Pequena demais ou covarde demais para mudar minha própria cidade, eu assumo.
Veio o Brexit em 2016, e Londres não me parecia mais a cidade acolhedora que eu sonhava. Paralelamente, Paris foi me conquistando em vários sentidos. Nesse meio tempo, achei um curso de jornalismo digital que era tudo que eu precisava para recomeçar: Estudo e foco nos meus projetos. A cidadania portuguesa, claro, facilitou essa mudança.
Parece um grande clichê, mas lembro de estar sentada na beira do Rio Sena com uma amiga numa tarde de agosto, e ela dizer: “É muito fácil se apaixonar por Paris”. Eu respirei, sorri e disse: “Sim, é muito fácil se apaixonar por essa cidade”.
Mas não me apaixonei pelos clichês dos filmes: A Torre Eiffel ou por um parisiense (todos os meus amores franceses são/eram de fora da capital), mas me apaixonei por todo aquele estilo de flanar, escrever e observar que eu tanto buscava para minha vida. Seja ela como jornalista, content writter ou o que alguns resumem a somente blogueira. Ao longo do tempo os nomes foram mudando, mas essencialmente o minha profissão é sentar e escrever – fatos, crônicas, artigos ou posts para a rede social. A
Morar em Paris é um enorme estimulante (e não fui eu quem disse isso, mas o Nobel de literatura T.S Elliot). E, claro, com todos os desafios de morar em uma cidade grande estrangeira. E, igualmente, com todos os nãos que você recebe diariamente, me sinto cada vez mais acolhida.
Não necessariamente pelas pessoas que sempre me enxergarão como uma estrangeira, mas pela cidade. Do café que você escolhe para ir escrever, da loja onde você vai comprar suas coisas, do parque que você gosta de ir e dos funcionários do restaurante que te reconhecem e já sabem teu pedido. Ou do avião que desembarca, você entra no metrô, e fica aliviada de chegar na sua casa e ver que suas plantas sobreviveram.
Amigos dizem que meu trabalho no blog melhorou, meus leitores agradecem diariamente as dicas. O que mudou? Será que eu mudei? Ainda não sei todas as respostas. Deixei de escrever minhas crônicas desde que cheguei aqui porque ainda estava entendo tudo – Paris e meu relacionamento com a cidade. Isso tudo ainda está em construção. Estamos em lua de mel ou o amor é verdadeiro e para sempre?
Nos últimos meses, a cada pessoa que eu conhecia – e ainda bem foram muitas – eu tinha que explicar o que era a minha tatuagem no pulso. “Ah, é vontade de viajar e sair por aí, mas é mais que isso”, tento resumir. E isso sempre acaba me definindo para as pessoas novatas na minha vida que, aos poucos, entendem que eu preciso do meu tempo livre para explorar e criar – sozinha.
Troquei meu “Wanderlust” por “Carpe Diem”
Seja como for, a vontade de viajar, de sair de casa e de explorar o mundo (ou Paris) vai ter que esperar essa pandemia passar – e vai passar. Para uma leonina ansiosa como eu, os dias são desafiadores e chegam um por vez. O governo francês fala em meses de confinamento, o governo brasileiro despreza o perigo. Eu tento não pensar no tempo e no amanhã, e não planejar muito. Praticamente troquei o “wanderlust*” pelo “carpe diem**”. Ou, ainda, meu wanderlust agora é ficar em casa.
Meu único plano para quando tudo isso acabar? Ir para o Rio abraçar minha família. Contraditório? Não necessariamente. Paris já me ensinou que ficar em casa é muito bom, e a gente precisa achar a casa da gente no mundo. Ter uma casa é uma benção. Ter uma cidade que você gosta e te acolhe é uma benção. Mas ter uma família é a maior benção.
Talvez um dia eu faça as pazes com o Rio, e perdoe a cidade por tudo que ela me levou. Afinal, devemos ser muito mais gratos pelo que temos do que por aquilo que não temos. Talvez um dia eu consiga planejar uma viagem ao Rio sem ter pesadelos antes de viajar, e sem temer todo dia pela vida de todos que eu deixei lá.
Paris não é incrível, e o Rio não é horrível. Eu poderia fazer um livro sobre os problemas de Paris – e tudo que poderia ser melhor aqui. A questão é encontrar onde seu coração fica em paz – o seu wanderlust. E isso, ninguém no mundo pode fazer por você. Em tempos de reflexão e de ficar em casa, precisamos pensar se estamos viajando para fugir ou para nos encontrar. E uma hora a gente descobre porque faz cada viagem, e porque nosso coração bate mais forte.
* Wanderlust: Palavra de origem alemã. O substantivo “wandern” significa sair, andar, explorar, flanar. E lust é desejo. Então, wanderlust em português seria desejo de viajar, desejo de sair e explorar. Em francês seria como ter desejo de flanar pelas ruas.
** Carpe Diem. Frase extraída do trecho de Horácio, filósofo da Roma antiga: “Carpe diem quam minimum credula postero”. Ou seja, aproveite o dia e confie o mínimo possível no amanhã. Carpe diem significa aproveitar o dia, aquele momento.